

"Um comerciante não é mais que um servidor do público, ou de um público, e recebe uma paga, a que chama o seu "lucro", pela prestação desse serviço. Ora toda a gente que serve deve, parece-nos, buscar agradar a quem serve. Para isso é preciso estudar a quem se serve - mas estudá-lo sem preconceitos nem antecipações; partindo, não do princípio de que os outros pensam como nós, ou devem pensar como nós - porque em geral não pensam -, mas do princípio de que, se queremos servir aos outros, nós é que devemos pensar como eles: o que temos que ver é como é que eles efectivamente pensam, e não como é que nos seria agradável ou conveniente que eles pensassem."
Estas sábias palavras foram ditas - não por um qualquer guru dos nossos dias mas - por um senhor há pelo menos setenta anos, em "A Essência do Comércio". Esse Senhor, Fernando Pessoa de seu nome, disse-o num texto saboroso e absolutamente actual sobre o mercado e o papel do comerciante e da propaganda, mas bem o poderia ter dito sobre a nossa actual sociedade e seus líderes, cuja missão tantas vezes esquecem, talvez porque nunca a souberam.
"Nada revela mais uma incapacidade fundamental para o exercício do comércio que o hábito de concluir o que os outros querem sem estudar os outros, fechando-nos no gabinete da nossa própria cabeça, e esquecendo que os olhos e os ouvidos - os sentidos, enfim - é que fornecem os elementos que o nosso cérebro há de elaborar, para com essa elaboração formar a nossa experiência".
Palavras estas a que deveríamos dar redobrada atenção, principalmente agora quando o berço da democracia, a Europa Ocidental, se debate com um welfare state ultrapassado e fadado à inevitável falência, e onde a esperança se desvanece quando a população, acostumada à falsa segurança do "pleno emprego", se vê lançada no mundo real onde terá que enfrentar novos riscos...mas também novas e grandes oportunidades.
Enquanto pessoas o nosso foco deverá estar na defesa da nossa liberdade, enquanto empresários e trabalhadores, a nossa principal preocupação deverá ser a de servir bem aqueles para quem o trabalho que fazemos, os bens que produzimos ou os serviços que prestamos se destinam. Ao Estado, nas suas diversas formas, devemos pedir não soluções mas autoridade (não autoritarismo!) e que promova as funções basilares da vida em sociedade, subsidiariamente aos cidadãos e entidades que a constituem, garantindo apenas e só aquilo que melhorando a vida das pessoas não possa por estas ser garantido.
Porque mestre em "concluir o que os outros querem", sob a capa de bonitas palavras e intenções, sejam elas a solidariedade ou o bem estar social, o Estado vai justificando a crescente cobrança de impostos - sempre "transitória"; e porque afirma "projectar melhor o futuro", pensa e implementa fantásticos projectos que nos "tornarão mais competitivos" que os nossos competitivos parceiros, as OTA´s e TGV´s da nossa desgraça. Como era bom que assim não fosse e o Estado se limitasse a garantir os "grandes princípios conhecidos como o Império das Leis", pois como bem disse F. A. Hayek, em The Road to Serfdom: "Não há distinção melhor entre um país livre e um submetido a um governo arbitrário do que a observância, nos primeiros, dos grandes princípios conhecidos como o Império das Leis. Este conceito significa que o governo em todas as suas acções está submetido a regras fixas e previamente anunciadas - regras que tornam possível prever com razoável certeza, como a autoridade usará seus poderes coercivos em determinadas circunstâncias, permitindo, portanto, cada indivíduo planear seus assuntos com base neste conhecimento".
Quando a Constituição Americana foi ratificada o significado de liberdade como um direito individual era claro. Os exemplos são múltiplos, como o da Corte Suprema no processo Meyer v. Nebraska (1923), onde declarava que a "liberdade inclui não somente o direito de não ser constrangido fisicamente mas também o direito de contratar ou se empregar em qualquer das ocupações, de adquirir conhecimento útil, de estabelecer um lar, casar e criar seus filhos, de adorar a Deus de acordo com os ditames de sua consciência, e, de maneira geral, usufruir destes privilégios há muito reconhecidos como essenciais para a busca da felicidade pelos homens livres".
Porque a liberdade individual, mais do que factor de promoção da abundância económica e da paz civil, é o princípio definidor do Homem enquanto ser moral.
Era bom que sempre o soubéssemos e nunca o esquecêssemos.
Ricardo Luz