E nós é que pagamos a vista para o Tejo!
"foge, cão, que te fazem barão mas para onde, se me fazem visconde?", Almeida Garrett
Neste nosso país, cujas Regiões Norte e Centro vêm evidenciando um empobrecimento alarmante nos últimos anos, há quem viva alegre e feliz na capital que segue próspera e a distribuir prebendas pelos seus ilustres servidores, em especial os "amigos".
E nessa capital amigos é coisa que não falta, não fossem os amigos a maior felicidade de um homem Daí à coisa pública que se vai distribuindo pela amizade privada, numa orgia que nem aos romanos, no auge do seu império, lembraria, é uma pressinha. Nos últimos 30 anos, cerca de 3.500 casas (3.500 casas!!!) foram oferecidas com uma renda média de 35 euros (35 euros!!!) a artistas, jornalistas e outras tantas classes "desfavorecidas", durante os mandatos de ilustres senhores como o são Jorge Sampaio, João Soares, Santana Lopes e Carmona Rodrigues. Um foi presidente da república, outro filho de um presidente da república, outro primeiro-ministro e outro ministro das obras públicas. Não é apenas mais uma história, mas toda uma história de um país aqui representado.
Não é da Câmara Municipal de Lisboa (CML) que estamos a falar, não é sequer de Lisboa, porque a CML e Lisboa, neste país excessiva e crescentemente centralizado, são cada vez mais o próprio país. São a cabeça desse monstro que é o Estado, monstro que vai espremendo cada vez mais todos aqueles que trabalham para dar dignidade à sua vida e uma vida digna aos seus filhos, todos aqueles que lutam para crescer e fazer crescer as suas empresas, todos aqueles que vivem com a esperança possível num país cada vez mais impossível.
O que está em aqui em causa é o que de pior pode existir numa administração pública, a assunção dos bens públicos como "propriedade de quem manda no momento" e o seu tráfico descarado entre escolhidos. Uma administração pública de bens privados que favorece e alimenta uma «comunidade de pedintes influentes", como lhes chamou Mário Crespo no JN. Vereadores, artistas e articulistas que em público exigem a moral pública a toda a gente mas em privado são presenteados com casas pagas com o dinheiro dos contribuintes. Sim, não se deve nunca esquecer que estas regalias dadas em nome do Estado são pagas com o dinheiro dos contribuintes, os que pagam impostos e que muitas vezes são assim impedidos de dar aos seus uma merecida e digna vida.
Uma senhora que pagava 146 euros de renda à autarquia até final do ano passado, mero exemplo desta orgia desavergonhada, é neste momento Vereadora responsável pela Acção Social (ironia ou talvez não!) e era vereadora aquando da recepção da casa que lhe foi arrendada em nome da autarquia, há 21 anos. Outro senhor, que era funcionário da tipografia da câmara e dezoito anos depois é Director do Departamento de apoio da Câmara, "justifica no Expresso": «O meu filho é que mora lá. Não tenho dinheiro para lhe comprar uma casa nova». Paga 95 euros por mês e não acha que esteja a abusar: «é a minha casa de reserva. Se amanhã tiver de me separar outra vez, para onde vou?». E a vizinha de cima é chefe de gabinete do número dois da Câmara. Está tudo dito, clarinho como a água
Baptista-Bastos, o mesmo que sempre distribuiu "moral e bons costumes" e vergastadas didácticas sobre tudo e todos revelou ao Expresso" que usufrui de uma destas benesses há 14 anos. E acha que «não há aqui prendas». «Quando precisei pedi.». Bonita a simplicidade "quando precisei pedi". E bonita lição de vida para todos os que, alguma vez precisando, nunca pediram
Este caso da distribuição de casas a amigos e correligionários, pela CML nos últimos 30 anos, é a mais clara prova da falta de vergonha de muitos dos titulares de cargos públicos deste regime, que de forma descarada e na convicção da maior das impunidades vêm dar uma cabal demonstração da podridão que grassa no país.
Não é de hoje, já é assim faz muito tempo. Mas os portugueses contribuintes, os muitos que trabalham honestamente para pagar as suas contas, alimentar as suas famílias e aspirar a uma vida digna e ao futuro que merecem têm que dizer basta. Têm que lutar pela mudança deste regime, centralista e apodrecido, onde a sua capital se vê a si própria como a corte onde tudo é permitido, e onde toda a riqueza produzida pela nação é assumida como sua por um qualquer divino direito.
A Regionalização é cada vez mais necessária, começa a ser mesmo obrigatória. Só assim se reduzirá o poder deste monstro que cresce a cada dia que passa. Mas não chega, que os hábitos já são enraizados e dificilmente se alteram com voluntarismo. E também necessário lutar pela imposição de um limite máximo de carga fiscal, consagrado na Constituição Portuguesa. Enquanto sociedade não é aceitável que o estado tenha o peso que tem na economia. Não é aceitável, sob nenhum argumento possível ou imaginário, que a CML seja proprietária de 3.500 casas para além de todo o imenso conjunto de outros activos que possui sem qualquer ligação com as suas funções. Isto só acontece porque é hoje excessivo o dinheiro na mão do Estado. Dinheiro que deveria estar na mão dos seus legítimos donos, os cidadãos e as empresas que através de trabalho árduo e legitimo o ganharam.
A Regionalização não é nenhuma poção mágica mas é o único caminho que permitirá repensar o país, reorganizar os seus poderes e, conjugada com a devida responsabilização dos titulares dos cargos públicos e da necessária e já referida imposição de um tecto máximo para a carga fiscal, é sem dúvida a única possibilidade das Regiões, e Portugal, se libertarem do jugo deste monstro crescentemente insaciável, cuja apropriação da riqueza e do fruto do trabalho dos cidadãos é já hoje inaceitável.
A nós, cidadãos do Norte e do Centro, nunca ninguém nos pediu que pagássemos a casa a todas estas "ilustres personagens" e, que me lembre, nunca demos autorização a estes senhores para usarem e distribuírem assim tão desavergonhadamente o nosso dinheiro.
Já basta!
Ricardo Luz