Cortar as despesas do Estado implica cortar milhares de milhões de euros! É demagogia invocar apenas as "gorduras". É demagogia hoje como foi demagogia no passado, como recentemente, no Público, recordava José Manuel Fernandes. Mas, alertava também, e apesar dos apesares, Portugal não tem feito tudo mal. A despesa primária, sem juros, e sem medidas extraordinárias, passou de 83,5 mil milhões de euros em 2010 para cerca de 70 mil milhões de euros em 2012. I.e. o corte na despesa pública, sem juros da dívida, foi de 13,5 mil milhões de euros em apenas 2 anos. Desses, 5,7 mil milhões foram em despesas de investimento e o restante, 7,8 mil milhões, foi na chamada despesa corrente primária.
Muitos destes cortes tiveram um impacto tremendamente negativo na vida dos portugueses. Alguns, mesmo quando designados de despesas de investimento, foram felizmente bons cortes (por exemplo, os muitos quilómetros de auto-estradas de "lado nenhum para nenhum lado" que deixaram ser construídos). Uma das maiores mentiras, repetidamente contada aos portugueses, foi a de que investimento era igual a crescimento e a riqueza. Quando o estado "investe" um euro, de dinheiro que tanto custou a ganhar aos contribuintes, e como resultado "lhes devolve" 50 cêntimos isso não é criar riqueza. E, infelizmente para nós e para os nossos filhos, em nosso nome e do desenvolvimento, não foi apenas um euro que foi mal "investido", foram muitos e muitos milhares de milhões de euros.
Recentemente no blog Blasfémias, via dados do OE e Portada, era referido que, admitindo que não se mexe mais nos impostos, para equilibrar as contas do Estado teríamos de cortar a despesa em cerca de 14 mil milhões de euros. Ora, sabemos que o Estado gasta cerca de 80 por cento (sem juros nem investimento) em salários dos funcionários e pensões sociais, e sabemos também que a despesa do estado, excluindo Saúde, Educação e Segurança Social é de cerca de 10 mil milhões de euros. Assim, como é que se corta despesa do estado!? Se quisermos ser sérios, sabemos que não há forma de equilibrar as contas do estado sem cortar nos salários dos funcionários do estado e sem cortar nas pensões. E não há alternativa a cortar também na Educação e na Saúde (o que de forma alguma significa piorar a educação e a prestação de cuidados de saúde, mas isso são contas para outro rosário).
De uma vez por todas, temos que perceber que não há pais independente capaz de voltar a crescer se não conseguir equilibrar as contas do estado. Ninguém consegue viver ad eternum a gastar o que não tem, endividando-se como um louco.
Sendo sérios, a discussão terá de se fazer a dois níveis: quais foram as decisões tomadas nos últimos (25 anos!) que nos trouxeram a este estado de coisas? Destas decisões, quais foram as que tiveram subjacente apenas incompetência política, e quais as que tiveram cariz criminoso? Porque em relação às primeiras, os seus autores, no mínimo, deveriam ver-lhes retirada toda e qualquer capacidade de voltar a exercer um cargo público. Já em relação às segundas, e adicionalmente, os seus autores, para além de confiscados todos os bens e perseguidos sem tréguas, aqui e nos offshores que possuam, deveriam ser enviados para a cadeia. E, quando ainda possível, renegociados os contratos por eles realizados em nome do Estado. Não resolveria o problema, mas demonstrava que se queria edificar um novo pais. É possível que tal aconteça? Não é provável! Não em Portugal, pais onde o crime BPN foi sendo cometido em várias etapas, com vários intervenientes e beneplácito de quase toda uma classe politica.
E então, o que fazer? Desistir? Não, desistir nunca é solução! Só há um caminho a percorrer, o dos partidos do "arco do poder" acordarem alterar a constituição, que de tão inacreditável se tornou causadora da miséria, e acordarem num plano de cortes ao longo dos próximos anos, consistente, sério, e justo! Sim, porque se é verdade que só é sério se cortar nos salários dos funcionários do estado e se cortar nas pensões, é também verdade que os funcionários públicos não são todos iguais. A maioria são trabalhadores incansáveis, que merecem o que ganham e muitos mereciam ganhar bem mais. Mas há outros, e não são poucos, que nem ser funcionário público merecem ser, e esses devem ser despedidos. E também as pensões não são todas iguais, e não são todas justas! Chegados a este ponto de indigência, já não é mais possível que as medidas sejam completamente justas, mas gente séria encontraria seguramente formas mais justas de endereçar o problema. Para que quem mais merece, e quem menos tem, seja menos afectado pela dureza das medidas que a todos afecta e a todos afectará.
O modelo social e económico em que julgávamos viver morreu. Só quando, colectivamente, aceitarmos esse facto, o enterrarmos de vez e começarmos a construir um novo futuro, teremos futuro! Só para termos a noção do crime que foi cometido nos últimos anos: a Dívida Pública Portuguesa era de 90.739M em 2004 e passou para 174.891M em 2011, em 7 anos !!! (fontes: IGCP, Pordata).
E nesse novo modelo de país, o Estado que subsistir terá obrigatoriamente funções limitadas, com muitíssimo menor número de trabalhadores, e pensões e demais contribuições sociais também limitadas. Será um pais livre, de gente livre e onde o crescimento se baseia na capacidade produtiva dos seus agentes. Será um pais que poupa, onde há estabilidade fiscal e onde a justiça funciona. Provavelmente, face aos 800 anos de história que nos antecedem, esse pais será uma Utopia, mas como acreditar na viabilidade de Portugal se não se acreditar em Utopias?
Os Portugueses sabem sofrer. Infelizmente ao longo da história têm sofrido muito e repetidas vezes, quase sempre pela forma ignóbil como alguns governaram em nome deles. Mas quem sofre tem de acreditar que não há alternativa a esse sofrimento, e tem de acreditar que esse sofrimento está a ser repartido de forma justa por todos. Para combater uma crise desta dimensão, não basta à mulher de César parecer séria, ela tem mesmo de ser séria!