De um modo geral, é comummente verificável que as estatísticas são cruéis para as Regiões Norte e Centro do País, seja na economia, na educação, no emprego, ou no rendimento per capita dos seus habitantes, evidenciando um empobrecimento alarmante nos últimos anos. Na União Europeia a 15, não há em nenhum país uma única região com menor capacidade para criar riqueza do que o Norte e o Centro de Portugal. Mesmo na UE a 27 o cenário é pouco animador. E acresce que estas disparidades apresentam tendência para se acentuar.
O F. C. Porto, sedeado numa região assim empobrecida, tornou-se nos últimos anos o clube de maior sucesso a nível Europeu, quando se compara o seu orçamento e potencial de partida com os resultados obtidos. Em termos Nacionais, foi Campeão 16 vezes nas últimas 24 épocas, 12 das quais nas últimas 17 e 5 nas últimas 6. Venceu 8 Taças de Portugal e, desde que a competição existe, 15 das 29 Supertaças. Internacionalmente, neste mesmo período, venceu 2 Taças dos Campeões Europeus, 1 Taça Uefa e 2 Taças Intercontinentais, o que constitui um percurso impressionante para um clube cujo orçamento de 60 milhões de euros compete com orçamentos 4 a 5 vezes maiores como são os do Real Madrid, Manchester United, Chelsea, Barcelona, AC Milan, etc.
Como é que um Clube/Empresa consegue estes resultados, estando inserido numa região que ano após ano se tem tornado mais pobre? É uma reflexão que vale a pena fazer.
Por um lado, porque o F.C.Porto foi, nestes últimos 20 anos, superiormente liderado, pois é demasiado óbvio e indiscutível o sucesso que o clube atingiu. O seu Presidente e a sua equipa dirigente inculcaram nos jogadores, treinadores e colaboradores, a vontade e determinação para vencer. Definiu os seus objectivos - ambiciosos, mas concretizáveis, constituiu, organizou e desenvolveu as suas equipas com base em competências que se complementam e onde cada um sabe o seu papel, onde todos são importantes e, - principalmente, em que todos se revêem na atitude vencedora.
O F.C.Porto e os seus líderes perceberam desde cedo algo que muitos dos principais políticos e empresários da região não perceberam. Que num país altamente centralizado na capital e vivendo numa região deprimida, mas com massa critica e com forte identidade, é fundamental "arregimentar as tropas" em torno de "feitos extraordinários e por todos desejados". Transformou-se assim numa das poucas organizações que partindo do Norte se tornou global sem nunca perder o orgulho e sentido de pertença regional, e é na sua região que vai buscar a energia e a capacidade competitiva.
Num país centralizado o F.C.Porto, por estratégia e necessidade, viveu sempre em dois níveis, o regional e o internacional, nunca aceitando a inevitabilidade da sua "nacionalização". O F.C.Porto, pela própria lógica do futebol e pela sua estratégia enquanto organização, encontrou nos seus associados e nas empresas do Norte, principalmente nas exportadoras que se associam com prazer à sua marca, a energia para vencer internacionalmente, e pelo caminho tornar-se dominador em termos nacionais.
É pena é que o mesmo não tenha acontecido com muitas mais organizações do Norte e Centro do País, que não foram capazes de manter a sua coerência regional e visão global, e se enredaram em teias de subserviência nacional. Muitas assim se perderam, muitas vezes parecendo ter (ou tendo?) vergonha das suas origens. Sempre perde, hoje ou amanhã, quem visa agradar aos que vivem dos pequenos poderes nacionais, nas passerelles de vaidades onde se valoriza a aparência e o glamour e se esquece facilmente que no médio/longo prazo continuam a vencem aqueles cujas realizações têm realmente valor.
No entanto, sejamos justos, poucas são as instituições que têm o suporte regional que o F.C.Porto tem, e soube potencial, para ganhar escala internacional e assim evitar a mediocridade nacional. A SONAE fê-lo, mas poucos mais o conseguiram ou puderam/quiseram conseguir. Por muito voluntarismo que exista, marca a agenda dos acontecimentos quem tem real poder. Poder que é detido por quem tem a capacidade de decidir e implementar, pela lei ou pelo dinheiro. Hoje, e cada vez mais, em Portugal quem tem poder é o Estado e os grupos que com ele se relacionam, directa e indirectamente, com capacidade para influenciar mudanças na Lei e aproveitar os seus resultados.
O que faz a diferença - para desgraça do Norte e Centro, mas também do País - é o poder estar cada vez mais concentrado numa única entidade, o Estado, e nos seus acólitos, e não distribuído por uma multiplicidade de entidades, em organismos regionais cuja autonomia seja real, com receitas e custos essencialmente gerados e aplicados nas suas regiões, e em entidades privadas, Empresas, Fundações, Associações, etc, cujo poder advenha da sua independência e do âmbito da sua actuação e não da dependência de um qualquer poder público.
A luta que hoje vale a pena é sem dúvida a da Regionalização. Será a luta dos próximos anos, e que terá que ser politicamente vencida. A Regionalização não é nenhuma poção mágica que transformará um país pequeno com limitações numa grande potência mundial, mas é o único caminho para as Regiões, e Portugal, se libertarem do jugo deste monstro crescentemente insaciável, cuja apropriação da riqueza e do fruto do trabalho dos cidadãos tende para o "pornográfico".
Este país, até hoje governado a partir da centralista capital, evita que as regiões sejam governadas pelos seus representantes, eleitos democraticamente pelas populações que nelas vivem. Governantes cuja "obra" seria feita com as receitas dos impostos cobrados localmente, função da riqueza aí produzida, o que os responsabilizaria perante um povo certamente mais interventivo na vida pública, mais exigente em relação aos políticos que elege e em relação à forma como o seu dinheiro é gasto.
Certeza temos a de que o F.C.Porto continuará a vencer, mas também a de que só com regiões fortes e autónomas teremos um país forte e competitivo, onde mais organizações poderão crescer para o mundo. Mundo que será cada vez mais global, mas também mais regional.
Regionalização, SIM!
Ricardo Luz