Atualmente, num mundo assustado por uma crescente insegurança, aceita-se a perda de graus de liberdade em nome do que se acredita constituir uma maior segurança. E se é um facto que muitas vezes existe um trade-off entre liberdade e segurança, existe também, e cada vez mais, um discurso “apocalítico” em que parece que só é possível ser-se livre se permanentemente vigiado. Ora, não deveria ser necessário explicar que quando se vive numa sociedade “vigiada” não se é livre. E muito menos se está seguro.
Se tal foi sempre verdade, é-o hoje ainda mais. Porque vivemos numa época em que o desenvolvimento tecnológico e o uso massivo de meios digitais torna o famoso big brother de George Orwell cada vez mais possível. Algo que nos devia preocupar, e muito, mas que tendemos a desvalorizar.
Mesmo não o sendo ainda para muitos milhões de pessoas, nunca como hoje a vida foi tão fácil para tantas pessoas. Nunca tantos tiveram acesso a bens e serviços de forma tão fácil e tão barata – e foi o tão “mal-falado” capitalismo que o permitiu, mas isso é outra conversa. Essa facilidade, real ou percecionada pelo uso generalizado das mais diversas e incríveis tecnologias, leva a que as pessoas permitam que a sua “vida digital” esteja disponível a cada vez mais pessoas e entidades.
Em especial, o Estado tem hoje conhecimento sobre praticamente tudo o que os cidadãos fazem, possuem e mesmo o que desejam. E, diz-nos a história que há sempre um dia em que alguém, em nome da sociedade, da segurança, da igualdade e até mesmo da liberdade, usa esse ilimitado poder para dominar, quando mesmo não escravizar populações. E diz-nos a história que tal acaba sempre mal! Muitas vezes muitíssimo mal.
O Estado foi entrando mais profundo na nossa vida. Iludidos pelas pseudo-vantagens dessa intromissão fomos esquecendo que ela contém em si um preço demasiado elevado a pagar, a liberdade! A liberdade enquanto conceito e a liberdade enquanto direito de decidirmos a nossa vida. Sem o perceber, vimos reduzindo a nossa esfera económica e social, tantas vezes sob a “asa protectora” da democracia.
Sob a capa do “Estado Social” foi-nos e é-nos repetidamente vendida a ilusão da igualdade, como algo possível de atingir pela acção “corretora” da realidade, por natureza desigual. Esta ilusão vai-se entranhando, sempre em nome de grandes ideais, sempre em nome de projectos igualitários, sempre em nome de uma abstracção que, pela repetição, se vai tornando cada vez mais real.
Em tempos acreditou-se que o Estado servia o povo, subsidiariamente, naquelas funções que este, enquanto indivíduos e associações de indivíduos, não conseguia realizar. Acreditou-se que estas eram a garantia da soberania nacional, da segurança interna, da justiça e da propriedade. Entretanto o conceito alargou-se para áreas como a saúde e a educação, onde de um Estado garante do seu acesso se passou rapidamente a um Estado produtor da sua oferta… e hoje temos já, entre muitas outras ilusões, um Estado promotor da igualdade de género (!?), e não se vê fim para a “criatividade”. São cada vez mais as “causas fraturantes” e as minorias em nome das quais os que falam em nome de um Estado abstrato se intrometem na vida das pessoas e das organizações. E isso não tem nada de abstrato.
A liberdade individual, mais do que factor de promoção da abundância económica e da paz civil, é o princípio definidor do Homem enquanto ser moral. Mas a liberdade só existe se a soubermos conquistar e conservar. Uma sociedade que permite sistemáticos atropelos do poder governativo não é composta por homens livres, nem aspira à liberdade.
“Com efeito, é difícil imaginar como é que homens que renunciaram completamente ao hábito de se governarem a si próprios podem ser capazes de escolher devidamente aqueles que devem governá-los, e não é possível acreditar que um governo liberal, enérgico e hábil consiga sair dos sufrágios de um povo de servos”. Alexis de Tocqueville, in “Da Democracia na América”
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