Para além da qualidade e dimensão do evento, é difícil não nos surpreendermos com as últimas novidades em termos de, entre outras tendências, inteligência artificial, carros autónomos, blockchain ou “a multi-sensory experience of Future Urbanism”. Empresas como, entre muitas, Alibaba, Amazon, Audi, Google, Huawei, Intel, Linkedin, Microsoft, SAP, Siemens, Turkish Airlines, Twitter e Visa, apresentam as suas últimas e disruptivas inovações, muitas delas já presentes no nosso dia-a-dia.
É entusiasmante ver carros autónomos que alternam entre habitação e escritório, fazendo prever enormes mudanças na forma como nos iremos mover, habitar ou trabalhar. Por exemplo, a partir do momento em que a deslocação casa-trabalho deixe de ser um problema, porque podemos conviver, dormir, ler ou trabalhar, não mais teremos de viver no centro das cidades para estar perto de tudo.
É incrível o futuro carro autónomo da Audi – para passageiros ou mercadorias – que se acopla a um drone “tipo helicóptero” que o irá apanhar num local, levá-lo pelo ar e deixá-lo noutro… não mais ficção científica, mas realidade a médio prazo. Como é interagir com um “boneco” que mantém connosco uma conversa mais inteligente e interessante do que muitos humanos (alguns parecendo bonecos…). Ou ver um robot a cantar e tocar piano, antevendo bares onde substituirão os músicos de hoje. Ou ter a nossa imagem projectada por holograma num filme onde “voamos” pelo céu do Dubai, qual Superman, ou… num sem fim de experiências entusiasmantes e/ou assustadoras, conforme a perspectiva de cada um.
Mas mais do que tudo, impressiona a forma como a tecnologia entra e entrará cada vez mais na vida dos cidadãos, controlando-a sem que estes o percebam, ou percebendo-o, mas já não se importando. Um dos pavilhões, talvez o mais desafiador, era o do Dubai, com as mais recentes inovações tecnológicas ao serviço do “Smart Dubai Government” ou da “Dubai Police”, que já hoje as usam e nelas investem fortemente, como é o caso das tecnologias de reconhecimento facial que permitem a “máxima eficiência na relação do cidadão com o Estado”. Em todo o lado, seja na estrada a conduzir, na interacção com serviços públicos ou, via aeroporto, na entrada no Emirato, um dia ninguém necessitará de apresentar documentos nem interagir com pessoas pois será instantaneamente reconhecido, avaliado e, perante uma base de dados que contem toda a sua informação (a sua vida!), “catalogado” como “boa pessoa, pode passar”, “pessoa a reter, para averiguação” ou, quem sabe “a enviar para a prisão”.
Há uma resposta habitual a isto, a de que “quem não deve não teme”. Habitual e errada!
O colaborador de uma empresa fornecedora de uma solução de reconhecimento facial, já hoje usada pela policia na China, dizia-me entusiasmado que “em breve a teremos em tudo o que é empresa, por exemplo em hotéis onde ninguém terá de se dirigir à recepção para fazer check-in, pois ao passar pela porta o sistema reconhece-o, confirma se tem crédito, factura a estadia e atribui-lhe a chave do quarto”… o que é muito bom na perspectiva do cliente. Mas sê-lo-á também na perspectiva do cidadão!?
Senti que estamos já “às portas do futuro” e não sei se gostei. Tudo o que no passado via como distante em filmes de ficção cientifica existe ou está próximo de existir, e parece que caminhamos para a “sociedade perfeita” onde tudo é monitorizado e avaliado, e tudo “estará bem” se formos “cidadãos bem comportados” (seja lá o que isso for!) ou poderá estar mal, e a nossa vida transformada num pesadelo, se quem possui a informação e o poder o determinar.
Vivemos grandes dilemas. Um dos maiores, e desvalorizado, é a dicotomia “Tecnologia vs Liberdade”. A inovação contínua e o acesso fácil às evoluções tecnológicas dá poder às pessoas, mas a sua utilização massificada dá a quem governa informação e controlo sobre a vida dos indivíduos. Informação que se tratada a nível macro pode ser boa (ex. saber n.º de pessoas numa manifestação permite gerir multidões), mas que ao nível micro pode ser aterradora (ex. de entre a multidão, saber de imediato a vida de uma pessoa pode levar à sua perseguição porque cometeu uma ilegalidade ou apenas porque expressou opinião contrária ao poder vigente). Podemos dizer “ok, é para isso que há os Checks & Balances nas economias liberais, para garantia dos cidadãos”. Podemos? Quando assistimos à derrocada de democracias (algumas que nunca o foram!), corrompidas pelo poder político-partidário que as governa, substituídas por novos populistas e proto-ditadores, quando não mesmo por assumidos ditadores!?
Tim Berners-Lee, o “Inventor da Internet”, hoje algo descrente da mesma por não ter concretizado todo o seu potencial enquanto instrumento “to empower people”, fez uma palestra onde falou do “SOLID”, o seu novo projecto que visa reformular a web como a conhecemos, para que as pessoas possam readquirir poder sobre a sua informação (fotos, comentários, contactos, eventos em que participam, ficha clínica, km que correm, etc), decidindo elas próprias onde a guardam e a quem a disponibilizam.
Perguntei-lhe como é que se compatibiliza esta sua iniciativa, excelente e que vale a pena acompanhar, com um mundo onde a informação é continuamente “oferecida” a tudo que é entidade e, pior, ao Estado, com quem interagimos diariamente, em troca de aplicações que nos facilitam a vida ou, quando não por nós oferecida, “retirada” através de sistemas de vigilância cada vez mais poderosos e intrusivos? A resposta não me tranquilizou! Como por ora não me tranquiliza nenhuma outra resposta!
A nossa liberdade é importante e estamos a abdicar dela muito facilmente! E quem abdica da liberdade cedo ou tarde paga caro! Talvez valha a pena reflectirmos a sério sobre esta questão e começarmos a fazer algo mais para a proteger. Se não por nós, pelos bem dos nossos filhos.