TRÊS MIL MILHÕES EM PROJECTOS
Os municípios não querem desperdiçar a oportunidade gerada por um novo ciclo de fundos comunitários para inverter o declínio dos últimos anos e já identificaram prioridades. Especialistas contactados pelo Arquitecturas deixam outras pistas.
O território da Área Metropolitana do Porto (AMP) perdeu competitividade nos últimos anos por força da falência do seu modelo produtivo e de uma evolução urbana que não se adaptou às exigências de um mundo globalizado. Um diagnóstico que se pretende agora inverter com uma mão cheia de grandes projectos de mobilidade e várias iniciativas de escala metropolitana planeadas pelos municípios. Com a apresentação do Programa Territorial de Desenvolvimento, que traça a estratégia de 16 concelhos para os próximos cinco anos, e os fundos europeus na calha, este poderá ser um ponto de viragem para um território que abrange mais de 1,5 milhões de pessoas.
Sem contar com as grandes obras já previstas, de âmbito nacional, são quase três mil milhões de euros de investimento municipal distribuído por vários projectos e redes de equipamentos e serviços que poderão vir a beneficiar de comparticipação europeia. O programa define linhas de acção comuns, suportadas por uma visão estratégica partilhada. Com este documento, proporciona-se também uma base territorial e institucional para futura contratualização de acções. A AMP está agora "em fase de negociação" com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, para assegurar uma contratualização ao nível do Programa Operacional Regional, explicou o administrador executivo, Emídio Gomes. Uma fase que deverá estar terminada "no final de Outubro".
Recuperando o habitual tripé da sustentabilidade, o objectivo traçado no documento é o "reforço da competitividade da AMP num quadro de maior coesão social e qualificação ambiental", tendo sido identificados cinco projectos estruturantes e 13 de interesse metropolitano. Os concelhos abrangidos são os 14 que compõem a NUT III do Grande Porto - Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia, Arouca, Santa Maria da Feira, Santo Tirso, São João da Madeira e Trofa - bem como Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra, da NUTS III do Entre-Douro-e-Vouga.
Uma economia em mudança
É um território vulnerável e pouco competitivo aquele que emerge a partir do documento encomendado pela AMP. Um ritmo de crescimento inferior à média europeia e até nacional teve como consequência o enfraquecimento do nível de vida desta população. O diagnóstico fala mesmo de um "empobrecimento alarmante" nos últimos anos. A par do Centro de Portugal, o Norte é a região "com menor capacidade para criar riqueza" na União Europeia a Quinze, segundo o último relatório de coesão.
Este cenário negro resulta de um modelo produtivo esgotado, "tecnologicamente pouco intensivo", assente no domínio de sectores industriais que recorrem a uma mão-de-obra pouco qualificada.
"O principal problema da Área Metropolitana do Porto é o desemprego", salienta Paulo Pinho, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). É um indicador que reflecte uma economia "em profunda transformação", em que o núcleo central acaba por ser "o mais afectado". "O Porto sempre foi uma cidade de serviços agarrada à indústria tradicional envolvente", explica.
Os próprios espaços para a instalação das actividades, prossegue o diagnóstico da AMP, mostram-se "descaracterizados, com fraco nível de infra-estruturação básica, equipamentos de apoio e prestação de serviços comuns. Na maioria, limitam-se "a simples oferta de solo e alojamento físico de actividades".
Também a articulação entre instituições de ensino, centros de investigação e empresas se revela "insuficiente".
Mas, apesar de tudo, este continua a ser o "centro económico da Região Norte" e a registar taxas de "atractividade regional e global elevadas," para além de contar com uma "forte tradição e experiência" no comércio internacional. Aqui, estão já instaladas "estruturas universitárias de prestígio", bem como diversos centros tecnológicos e agências de promoção do empreendedorismo. Feitas as contas, são 44 unidades de investigação por milhão de habitantes. E apesar da falta de infra-estruturação e equipamentos de apoio, existe também já "um conjunto relevante de espaços destinados à localização de actividades empresariais": cerca 66 km².
Ou seja, quer a nível de recursos humanos e tecnológicos, quer de infra-estruturas, a "base de sustentação" para um modelo de desenvolvimento assente na inovação e na economia do conhecimento já existe em potência.
"Há sinais claros de que uma transformação está a ocorrer", assegura, por seu lado, Paulo Pinho, nomeadamente em sectores tecnologicamente desenvolvidos, mas estas "franjas mais avançadas do tecido económico coexistem com outras em processo de regressão".
Para conseguir ser um foco de atracção de investimento, a AMP tem de tornar o seu espaço territorial "mais competitivo", de modo a atrair empresas e indústria com incorporação tecnológica. Ao nível de equipamentos colectivos e infra-estruturas de comunicação, este especialista considera que a área metropolitana já "deu um grande salto nos últimos dez, 20 anos". O desafio "mais difícil" passa pela "qualificação dos recursos humanos".
Segundo Paulo Pinho, "há que haver maior ambição" na definição de uma estratégia de desenvolvimento. "O futuro das cidades está na sua integração a nível global" e, por isso, é preciso "olhar mais longe". O caminho deve passar por fomentar "processos de internacionalização", a nível de recursos, de economia produtiva, de universidades, contra o paradigma vigente de que este é um território "periférico e pequeno".
Já as pistas apontadas pelo documento estratégico para inverter a rota descendente da economia passam pela diferenciação de produto, através de uma aposta em sectores emergentes de maior conteúdo tecnológico e na garantia de serviços de apoio a empresas. A "qualificação das áreas de localização empresarial" é a face visível deste plano. A AMP quer promover a criação de uma rede metropolitana de gestão supramunicipal, para a qual prevê uma verba de 146 milhões de euros, cerca de metade proveniente de fundos europeus.
Território desordenado
A crise da "cidade central" com a perda de população e a degradação física do tecido edificado dos centros urbanos de Porto e Gaia contribuíram também para a queda da competitividade da área metropolitana.
O alastramento do fenómeno de periurbanização, com o desenvolvimento de "uma mancha difusa urbano-industrial" e de um "povoamento disperso e fragmentado", conduziram ao crescente desordenamento territorial.
No capítulo da mobilidade, a ameaça surge a partir do congestionamento de áreas de grande circulação, fruto de uma rede viária "deficitária em capacidade e cobertura" e de "fracos índices de intermodalidade nos transportes".
E é com uma aposta nítida na melhoria da mobilidade interna e externa que a AMP tece o seu futuro. Os projectos considerados "estruturantes" para suportar o desenvolvimento são todos nesta área: TGV, fecho da rede viária, expansão do aeroporto Francisco Sá Carneiro, Metro do Porto e o Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões.
O contributo da mobilidade para a competitividade metropolitana é "muito importante" dada a dimensão internacional que pode assegurar a este território, quer ao nível do tráfego de passageiros, quer de mercadorias, afirma António Babo, também professor na FEUP e especialista na área da mobilidade. Um dos principais projectos é o da alta velocidade que vai permitir uma maior "integração ibérica" e internacional da região. O engenheiro Paulo Pinho acrescenta, no entanto, que era fundamental assegurar a construção de uma nova ponte sobre o Douro dedicada exclusivamente ao transporte ferroviário de alta velocidade. Na sua opinião, a passagem a alta velocidade sobre a ponte S. João configura uma situação "extremamente gravosa", porque irá aumentar a "saturação" já existente na Linha do Norte - que acumula o tráfego de comboios suburbanos, transporte de mercadorias, inter-cidades e alfas -, gerando um "ponto de estrangulamento" de gestão complexa. Por outro lado, vai obrigar a que o TGV atravesse "todo o centro da cidade de Gaia", enquanto uma ponte construída para o efeito permitiria uma "aproximação pela envolvente".
A ligação de alta velocidade entre o Aeroporto Francisco Sá Carneiro e o Porto de Leixões poderá também ajudar a consolidá-lo como "o grande porto do noroeste peninsular", nota António Babo, um investimento complementado pela melhoria da conexão com a rede ferroviária convencional.
Por sua vez, a construção de um terminal de cruzeiros é a oportunidade que Paulo Pinho considera "excelente", permitindo à área metropolitana "dar um salto qualificativo em termos de desenvolvimento turístico". Este especialista sugere ainda a criação de uma marina atlântica que permita "inserir o espaço metropolitano no tráfego oceânico, de veleiros e barcos de recreio".
A conectividade do sistema urbano é também vista pelas autarquias como um projecto de interesse metropolitano.
"Uma cidade operativa do ponto de vista dos transportes atrai mais turismo", concorda António Babo e possibilita também um "incremento da logística" com benefícios a nível de eficiência ambiental ao permitir "aumentar o tráfego de mercadorias sem o aumento correspondente de poluição e consumos energéticos". A "melhoria da repartição modal" nas cidades é o conceito chave, tendo como meta reduzir a dependência do automóvel, para que as pessoas "tenham grandes níveis de mobilidade com custos baixos". O incremento dos transportes públicos e a aposta na criação de estruturas urbanas para a circulação de bicicletas são algumas opções avançadas por este especialista.
Regenerar as cidades
A valorização de espaços de excelência urbana é outra das propostas de âmbito metropolitano do documento, dada a "extrema importância que as cidades assumem no desenho do território". A aposta é em "intervenções integradas" com enfoque na regeneração urbana, que irá receber um investimento da ordem dos 265 milhões de euros, com uma comparticipação europeia estimada em 185 milhões.
O Centro Histórico do Porto e de Gaia merecem um lugar de destaque, contrariando a degradação do património construído, a perda populacional ou a crise do comércio tradicional. A ideia é criar "uma verdadeira centralidade".
Paulo Pinho, por seu lado, propõe ainda a criação de uma ponte sobre o Douro, à cota baixa, assegurando um convívio "mais próximo" entre as ribeiras de Porto e Gaia. Seria um contributo para o fortalecimento da zona central destas duas cidades já que, na opinião deste especialista, um dos problemas da AMP é justamente o de haver um "enorme desequilíbrio entre o peso demográfico do centro e o da área envolvente"."É uma área metropolitana enfraquecida pelo centro e todos estão a perder" e as consequências são a descentralização da residência, a centrifugação dos postos de trabalho e a despadronização das deslocações diárias. Por isso, está convicto de que é fundamental que os centros urbanos de Porto e Gaia "se voltem a afirmar como espaços residenciais".
A ideia do policentrismo aparece também em posição de destaque neste documento estratégico, que aponta a necessidade de uma "organização em rede das cidades" e de uma aposta na especialização funcional.
A herança "genuinamente policêntrica" da Área Metropolitana do Porto é também realçada por Paulo Pinho: "Um modelo policêntrico, do ponto de vista da competitividade e da eficiência ambiental, é muito interessante. Não podemos desbaratar este capital". E se a intervenção à escala metropolitana pode ser uma forma de aproveitar este potencial, de acordo com este especialista, há que ser "rigoroso" na aplicação do conceito. "Demasiada ambição na configuração espacial desta área metropolitana, em vez de a fortalecer, enfraquece-a", defende, já que implica "abarcar realidades muito diferentes que não têm uma vida e economia próprias".
O turismo e a cultura também poderão ganhar com uma oferta metropolitana não restrita às fronteiras concelhias. O "robustecimento" do destino Porto, que ainda reúne "pouca notoriedade" nos mercados internacionais, é outro dos projectos prioritários e procura englobar a oferta turística do Gerês, Minho e Douro, Braga, Guimarães.
Em todas as áreas definidas como "Prioridades Estratégicas" - da Educação ao Desporto, passando pela Saúde ou pela Acção Social -, a AMP quer ainda investir no desenvolvimento de sinergias e na criação de redes metropolitanas que assegurem uma maior adequação territorial de serviços e equipamentos, privilegiando, desta forma, a sustentabilidade e a qualificação dos serviços públicos locais.
É um investimento que supera os 2,5 mil milhões de euros previstos para a implementação de mais de 30 redes, sendo que se aguarda uma comparticipação europeia da ordem dos1750 milhões. Os valores mais elevados serão aplicados na rede de transportes e mobilidade urbana (671 milhões de euros) e nas seis redes de valorização ambiental (720 milhões). A rede educativa e desportiva merecem, cada uma delas, uma fatia de 314 milhões de euros.
A modernização da administração local é outra missão em agenda, para a qual está planeado um investimento de 34 milhões de euros. O objectivo é a certificação a cem por cento dos serviços autárquicos dos 16 concelhos.
Joana Filipe