
2013-08-09 "Chegados a este ponto, com uma dívida astronómica (...) os portugueses (...) terão um dia de penalizar uma determinada forma de fazer política."
Neste cantinho à beira mar plantado, de "irrevogável" (*) em "irrevogável" até à "salvação nacional".
Parece sina, ou, como canta Ana Moura, talvez seja apenas (des)fado. E, entretanto, o despesista e centralista Estado lá nos vai entretendo, numa tragicomédia que seria cómica se não fosse trágica.
Repetidamente nos vem sendo garantido um ajustamento via refundação do Estado, com respectivos cortes nas suas insustentáveis gorduras, mas o que nos é "entregue" é um contínuo aumento de impostos. Mas, se os governos são os principais responsáveis por esta "brincadeira", são-no também todos os que exigindo essa mesma reforma logo gritam "escândalo" mal sentem que os cortes os podem afectar, sejam estes professores sem alunos, militares ou juízes que ficam fora das novas regras da Função Pública, ou qualquer outra corporação com capacidade de pressão sobre o Estado, i.é., sobre os contribuintes. E, apesar da desesperada situação que vivemos, parece que nenhum político tem coragem para as enfrentar e cortar na despesa pública, permitindo assim baixar impostos e deixar a economia respirar.
Continuam a cair em saco roto bons conselhos para Portugal, como os do Presidente do BCE: "Façam uma consolidação orçamental amiga do investimento, baixem os vossos impostos, baixem as vossas despesas correntes, façam reformas estruturais", diz Mario Draghi, mas "ninguém" o ouve, talvez porque como cantava Amália Rodrigues: "Tudo isto existe. Tudo isto é triste. Tudo isto é fado".
Os últimos anos não têm sido fáceis para os portugueses, mesmo nada fáceis. Depois de muitos anos de uma "bebedeira" colectiva, em que "o céu era o limite" e se gastava os recursos do Estado (dinheiro dos contribuintes) como se não houvesse amanhã, Portugal acordou à beira da bancarrota. Chegados a este ponto, com uma dívida astronómica e perante deficits anuais cuja resiliência torna difícil a sua correcção, os portugueses, percebendo o problema, terão um dia de penalizar uma determinada forma de fazer política. Uma forma que nos trouxe "aqui" e que, se não se altera, não nos tirará "daqui". Não é possível continuar a fazer um ajustamento (que tem obrigatoriamente de ser feito) apenas pelo lado da receita do Estado (i.e, aumentando até à demência os impostos sobre cidadãos e empresas) e continuar com esse mesmo Estado a viver acima das possibilidades de criação de riqueza do país.
Mas como é que se resolve este importante problema, quando qualquer reforma do Estado é ferozmente combatida pelas corporações que se vêem afectadas pela mesma!? Veja-se a capitulação do governo perante o sindicato dos professores. Mesmo sendo hoje conhecido que há milhares de professores que não têm alunos (devido à continua diminuição do número de crianças), estes não podem ser mobilizados para escolas onde façam falta, se longe, muito menos despedidos. E se é bem verdade que todas as profissões são dignas quando realizadas com profissionalismo, a de professor para além de digna é uma das mais bonitas, pelo bem que pode provocar na vida de outrem, em especial na vida das crianças. Mas alguém consiga explicar porque é que professores sem alunos para ensinar têm de ser pagos pelos restantes contribuintes! Se não têm alunos que justifiquem a sua existência, porque é que têm mais direitos que outros portugueses!? Por exemplo, porque têm mais direitos que os portugueses que perdem os seus empregos porque faltam clientes às suas empresas, porque fecham as fábricas onde trabalham!? Será isto justo!? Será isto aceitável!? Sustentável sabemos já que não é!
A questão fundamental é sempre a mesma, todos gritam pela reforma do Estado mas fazem de conta que não percebem que reforma do Estado significa despedir funcionários públicos, e provavelmente significa diminuir as remunerações dos que não forem despedidos. Isto é triste? Claro que é, e na perspectiva individual, na perspectiva de muitas destas pessoas que agora podem perder o seu emprego ou ver diminuído a sua remuneração, é legítimo motivo de revolta, pois foram enganadas durante muitos anos em que deram o seu melhor, acreditando ser correcto o que faziam, como faziam e porque faziam. Anos em que assistiram, impotentes, à forma indigna como agiram muitos dos que tinham a obrigação de gerir o sistema de forma justa e eficiente. Mas é a triste realidade que vivemos, e ou a enfrentamos com coragem ou continuamos a empobrecer sem que nada mude estruturalmente. E ai o nosso problema, já de si tão mau, será ainda bem pior, pois empobrecemos mas não criamos as condições para um dia voltarmos a crescer.
Podemos continuar a ser enganados, ou podemos até enganarmo-nos a nós próprios, mas a realidade é o que é. E infelizmente não se muda por decreto ou por afirmações bonitas, nem por falsos "gritos do Ipiranga", e para mal dos nossos pecados têm sido muitos e falsos os "gritos" que vimos ouvindo ao longo da nossa história colectiva.
Mas felizmente, e finalmente, chegou o Verão! Assim, pelo menos durante os próximos dois meses, podemos olhar para muitas das tristes figuras com que nos brindam como próprias da "silly season".
Felizmente, irrevogável, pelo menos por ora, só mesmo a chegada do Verão.
Verão que não prometeu, mas que chegou!
Boas férias!
(*) Irrevogável (latim irrevocabilis): 1. Que não se pode revogar. 2. Definitivo. 3. Que não torna atrás.





